sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O Mito de Ser Caipira

É claro que o mundo segue sua trajetória infindável rumo ao futuro. Isso todos sabemos. Sendo assim, fica fácil dizer que a cultura caipira é referência que se perde a cada dia no passado. No entanto, quando desejamos dizer algo (e dizemos) nem sempre usamos a palavra certa, aquela que mais corretamente iluminaria a idéia daquilo que foi dito por nós. É nessa tentativa de dizer o mundo e de nos dizer que ainda utilizamos a metáfora do caipira.
Quando gostaríamos de dizer que discordamos de passar horas e horas repetindo um movimento mecânico exigido por uma máquina, mas que se o dissermos seremos inevitavelmente despedidos por estarmos desacordados diante do processo produtivo de riquezas, dizemos outra coisa. Porque é evidente que precisamos trabalhar para nos manter estáveis no ambiente social e até mesmo no familiar. Então, o que dizemos? “’Tá estressado: vá pescar!”
Remetermos o nosso pensamento para uma pescaria que faremos no final de semana e discorrer indefinidamente com os amigos sobre as fisgadas que já disparamos em outras diz mais do que a atividade recreativa que alguns poucos vêem. Diz sobre uma fuga que quiséramos fosse eterna. Sentados na beira de um rio, recebendo os raios do Sol por todo o corpo, simplesmente olhando a água passar como um mantra de conforto e serenidade; ver os passarinhos que ora mergulham atrás de peixes, ora resvalam o bico inferior na superfície casta do remanso ou simplesmente banham-se na segurança da margem, é indescritivelmente melhor do que o ronco ou baques sincrônicos promovidos por engrenagens e motores.
Olhar as árvores nos variados tons de verdes e vê-las balouçando na maré do vento; vê-las também como uma paisagem idílica onde a vida é um sonho no qual a felicidade faz parte, sim! Ou aconchegar-se sob a sombra benfazeja de um bambuzal; ou ainda ouvir o roçar rítmico das folhas que nos faz redescobrir pensamentos e recordações boas que habitam em nós. Enfim, sentar-se à beira de um rio traz tanta impressão boa da vida que demoramos semanas para desgastá-las diante do volante ou de computadores.
Assim sendo, para quem leu Michel Foucault sabe que as palavras escondem ou pouco revelam o verdadeiro sentido daquilo que dizemos. E para quem não leu é isso mesmo: as palavras escondem ou pouco revelam o sentido que gostaríamos de ter dito. Dessa maneira, cultuar o caipira é dizer da nossa discordância com a produção de bens descartáveis; é dizer do descaramento com que o governo ou grupos empresariais tratam a preservação da natureza; é dizer da ignorância das pessoas que fazem a mídia; é dizer que não nos enfileirem na cultura de massa; é dizer que o trabalho é tão necessário quanto viver a vida; é dizer o que o Charles Chaplin disse: “Não sois máquinas: homens é que sois!”
Identificar-se com a cultura caipira abarca uma filosofia de vida. Vida que deveria ser vivida mais próxima à natureza, mais próxima à tradição, mais próxima de nós mesmos e não nos sentirmos na obrigação de conquistar (ou pelo menos comprar) o mundo. O signo caipira hoje é um mito. Talvez o mito de ser o último mensageiro da paz. Não só a paz bélica mas principalmente a paz que devemos semear em nós mesmos. Dizer-se caipira é dizer de sua consciência com o meio-ambiente, com a loucura do lucro a qualquer custo, do respeito às outras culturas mas da valorização e promoção daquela que tivemos e temos como berço. Ser caipira é descobrir um Brasil rico e talentosíssimo, capaz de promover um ambiente social mais tranqüilo e um roteiro econômico mais respeitador. Ser caipira é não crer no cyborg mas crer no homem que vive em harmonia com o mundo e com os outros homens e morre em harmonia com o ciclo da vida.