segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cadê o Luar do Sertão?

Reside em minha memória as palavras de muita gente modernosa reclamando da poeira que se acumula nos móveis da casa. Queixavam-se disso como se estivessem endereçando xingamentos a tudo que é passado, antigo. Ecoa nos meus ouvidos o choramingo infinito da faxina diária, um pó incessante que avança para dentro da alma dos utensílios domésticos. Afinal, tudo que foi fabricado nos últimos tempos, tudo que seja fruto de alta tecnologia, não suporta poeira.
No entanto, seria muito bom não perdermos de vista que poeira é terra em pó, ou melhor é a Terra em pó. Portanto, extremamente natural que haja poeira.
A poeira (para nós brasileiros) é o corpo exposto do planeta. Isso porque só há poeira onde não existe mais o manto protetor da terra: o verde. Assim, avistamos a telúrica carne do globo.
Como organismo social que somos hoje é importante sabermos que as canções nascem da nossa criatividade e do relacionamento com o mundo. E uma função das canções é devolver-nos a saudade ou alimentá-la com melodias e versos, contudo, sinto que falta para os violeiros atuais exporem a devastação e fazerem acusações contra o progresso poluidor. Parece-me que salvaguardar os avanços tecnológicos é uma obrigação ditada por lei. E aos violeiros restou apenas cantar saudades de um sertão preservado e límpido. Sertão que só nos é permitido preservá-lo na memória.
Por isso, devemos fazer valer uma outra função das canções: denunciar as ações humanas que provocam esse mal. No entanto, atitudes arrasadoras estão sendo propagadas como se fossem o único recurso plausível para o futuro. Assim, clamo pela atenção dos violeiros para que não se cansem de cantar a saudade do sertão, porém, aliem-se numa coluna crítica àquilo que está acontecendo atualmente e denunciem a clara substituição da poeira pela fumaça.
Gostaria de voltar a ver cada vez menos fumaça dentro da minha casa. Na verdade, eu queria a poeira de volta. Eu gostaria muito que as futuras gerações reaprendessem a conviver com o pó nos móveis, e depois a própria poeira baixasse devido à recuperação das matas. No entanto, parece que no futuro todos morarão em casas lacradas pelo concreto e, soprado por máquinas, o ar atravessará filtros cada vez mais avançados tecnologicamente para que possamos respirar e, com a ajuda do ar, cantar.
Será que a paisagem influi na composição da música? Se sim, então, entenderíamos a música da mídia: o engessamento das harmonias, a amarração de ferro das melodias, a cadência de britadeiras. Ou não?